terça-feira, 5 de junho de 2007

AOS AMIGOS


Lembro-me como se fosse hoje do João Bobo, um boneco de ar, com peso no fundo, que eu menino ficava socando inúmeras vezes para que ele caísse. Mas o boneco foi planejado justamente para fazer o oposto, sempre voltar com o mesmo impulso de que foi arremessado.
No dia de hoje, triste, amargurado, frio, lembro da casa velha da minha avó, casinha de barro rústica, mas aconchegante, como todas as casas das avós. Isso me bateu a recordação dos dias que ficava todo cheio de roupas de lã socando o bom e velho AMIGO João Bobo.
Foi num dia cinza, como hoje, que a solidão tocou minha campainha . E eu desprevenido, não consultei o olho mágico e abri a porta todo receptivo a ela, “a solidão”, que entrou fagueira, serelepe e sarcástica, olhando nos meus olhos sorriu, pois viu no fundo de minha alma o momento cume de minha fragilidade.
Ali parado de frente para ela, senti cada parte do meu corpo pulsando, começou nos pés e subiu vagarosamente. No estômago a náusea foi tão forte que não me contive e coloquei pra fora: um copo de água, um danone com flocos de chocolate, duas tangerinas e um pedaço de pizza adormecido, tudo que havia consumido durante o dia. Quando chegou perto na região do peito, percebi que o meu coração já não pulsava, ele saltava como um campeão de olimpíadas; e quando esta força tomou a região do meu rosto, senti que meus olhos começaram a marejar, eu ali de frente para ela, a encarei com todas as minhas forças, e as lágrimas salgadas que sonhavam em deslizar pela minha face, se empedraram uma a uma e formaram uma enorme barreira em volta da menina dos meus olhos.
Sinto que aquele João Bobo, o mesmo de minha infância, está cada vez mais perto de mim, às vezes me sinto o próprio, como se eu fosse socado de um lado, de outro, e sempre, todas às vezes voltando ao ponto inicial à espera certa de um novo golpe para eu me movimentar.
Hoje sinto que aqueles que me socam, por ironia do destino são os mesmo que se intitulam meus amigos, os mesmos que dizem me amar e se importar comigo. Sei que a generalização incomoda os inocentes, mas sei também que os não culpados sabem em não ligar para as minhas divagações.
Por muito tempo chorei, falei mal, gritei, esperneei, sempre procurando entender o que se passava nas cabeças dessas pessoas. Sempre a cada soco, eu ficava lá deitadinho, imóvel por um tempo com receio de me levantar e levar mais um knock-down. Mas sempre acabava me levantando.
Hoje sinto que começa um novo ciclo, uma nova fase, um ponto e vírgula na minha vida. Um pouco consciente, um pouco forçado, um pouco só, sinto apenas em não ter com quem desfrutar. Sinto apenas em ter transformado o pobre João bobo, num lutador voraz, com sede de justiça, com vontade própria, com sonhos e ideais. Cansado de tanto ser levado à lona, me levanto mais uma vez, só que agora com um diferencial, armado de um par de luvas de boxe que uma amiga muito querida e fiel me deu com o tempo, a vida. Esta luva, no entanto está apenas para me defender dos “amigos”, os mesmos que me beijam e me socam, os mesmo que várias vezes me deixaram com o rosto inchado, sangrando e melado de lágrimas. Os mesmo que admiro que amo, que sinto que fazem parte de mim e mesmo assim me dilaceram.
Em ataque! Eu João bobo, gingo como Muhamad Ali, me preparo para não ser mais nocauteado. Ergo-me e ouço nitidamente o sino que dá início a mais um round.
Antonio Ranieri

22/05/2006