sexta-feira, 12 de junho de 2009

Um estado de Cidadania

Outro dia estava parado no farol, eis que vejo uma menina sorrindo enquanto ela abria o retrovisor do passageiro. Quando a menina percebeu que lá fora haviam dezenas de moradores de rua, seu sorriso foi se transformando até chegar numa feição triste e sem cor. Aquilo me desconcentrou de tal forma, que só percebi que o semáforo havia aberto, no momento que ouvi a buzinada de um “turbinado importado”, que como um flash passou ao meu lado sem perceber o que se passava do lado de fora das suas “lentes blindadas”. Hoje a cidade, como de costume em horário de pico estava parada. Eu esmagado por “trocentos” proletários, que como eu, seguiam rumo aos seus locais de trabalho. Da janela do ônibus, eu vejo um menino de aproximadamente seis anos de idade, dormindo no chão enfrente a um banco renomado. Paradoxo essa cena, pensei eu. Mas aquilo não era arte, era real. O menino tinha um tom amarelado, meio que sendo comido por vermes. Seus pés, bracinhos e cabelo, eram de uma camada grossa e negra de sujeira. Ele deitado em cima de uma placa de papelão, em posição de feto, se encolhia para suportar os 10ºC. E pessoas passavam por ele e não o viam. A faxineira do grandioso banco lavava seus vitrais, sem se dar conta de que a água ia em direção ao menino. O outro morador de rua envolto num cobertor, não se sensibilizava em ver ao seu lado uma criança. Ninguém via, e se olhava, virava-se rapidamente, ou por medo, ou por vergonha. Medo de um dia ter que se sujeitar a uma situação daquela, ou vergonha de não fazer nada para ajudar o ser humano que ali se contorcia.
Conforme o ônibus foi se movimentando, para minha total surpresa e indignação, formava-se um mar de pessoas deitadas no chão. Dormindo, encolhidas, cobertas por panos sujos, jornais, papelão, ou quaisquer outra coisa que amenizasse o frio. Abria-se a minha frente uma valeta de corpos sujos e cadavéricos, feito os que permeavam os campos de concentração nazista.
Naquele instante quis descer do ônibus e levar um pedaço de comida para aquela criança, tomado por um estado de cidadania, ou influenciado por um estado de bondade, ato retirado de um episodio do meu livro de cabeceira. O fato que minha vontade, logo foi interrompida pela pressão de corpos no sujo e não eficiente transporte público que me conduzia para o serviço. E logo pensei que não poderia chegar atrasado, pois afinal ainda estava em fase de testes na empresa. Porque afinal, quem tinha que resolver isso era o poder publico e não eu. Porque eu fui um Covarde. Sim um covarde. Eu covarde. Covarde os outros passageiros que viraram a cara não agüentando vislumbrar o que passava na rua. Covarde os governantes que não resolvem esse grave problema e sim maquilam, deslocando pessoas de um lado para o outro conforme a reclamação da comunidade local. Covarde a faxineira que lavava o banco e molhava o menino dormindo. Covarde todos. Todos nós COVARDES.

Antonio Ranieri
10/06/2009