sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

- Não Trisca em Mim!


Os gritos vieram de um carro com faróis acesso parado ao lado de uma arvore centenária, umas das ultimas que se pode encontrar no centro da cidade. De uma porta vestindo um pequeno vestido azul claro prateado, cabelos longos pretos e bagunçados, maquiagem forte quase que criando uma nova face e sapatos de salto alto nas mãos; “ELA” saiu correndo afobada. Da outra porta saiu um rapaz franzino, de calças jeans surradas, camisa bolo branca amarrotada, óculos finos e sapato marrom. ELE era muito branco e ainda mais por estar com uma impressão pálida e uma respiração ofegante.
- Não trisca em mim! Ela disse para ele apontando uma navalha.
- Me devolve o que você me roubou! Enfurecido pediu o rapaz.
- Não roubei nada de você, tá louco?
O rapaz, com muita raiva, partiu para cima dela querendo apanhar algo que lhe pertencia e a mesma novamente apontou a navalha para ele.
- Não trisca em mim, não sou mulher, sou travesti. Ta duvidando? Vou te furar!
- Você me roubou sua ladra. Vou chamar a polícia.
Aos berros começou a clamar por socorro, e por mais que fosse auge de uma madrugada quente de primavera e houvesse muitas pessoas na rua, ninguém ousou em se envolver no que estava acontecendo. E quando mais ele gritava pedindo ajuda, mais a “MENINA” se enfurecia, como se realmente tivesse feito algo de errado, como se realmente tivesse portando consigo algo que não era seu.
- Não trisca em mim, não sou mulher, sou travesti. Ta duvidando? Vou te furar! Repetia sistematicamente, sempre apontando a arma que trazia consigo. Aos poucos as luzes dos apartamentos começaram a acender, os cachorros começaram a uivar mais pessoas surgiram para ver o que estava acontecendo. Neste momento se aproveitando da balburdia e da falta de atenção do rapaz, ela saiu correndo pelas ruas e becos escuros do centro velho. Ele sem saber o que fazer e envergonhado por aquela situação, e mesmo passando muito mal, cada vez mais pálido, mesmo assim entrou em seu carro e saiu cantando pneu em sentido contrário ao dela.
Porta trancada, cadeados de todos os tamanhos, chaves e mais chaves e finalmente só. Largou a bolsa em cima da mesa e foi tomar banho. Suada, precisava tirar de si todas as marcas daquela noite, todos os vestígios do outro preso em seu corpo, cada saliva, cada suor, cada essência perdida no meio de suas pernas. Por trás da pesada maquilagem apareceu um menino com olhar triste, quase melancólico... Abriu a geladeira, retirou um pote de sorvete que ainda estava fechado, abriu e começou a comer. De onde estava, sentado no sofá observava atentamente a sua bolsa na cadeira. Ligou a TV nos seus desenhos prediletos e novamente voltou-se ao sorvete. Quando o pote chegou pela metade, já amolecendo; levantou, pegou a bolsa, sentou novamente, abriu-a e retirou dela um coração totalmente debilitado. Vagarosamente o colocou dentro do pote e o confortou no meio de todo aquele creme. Guardou no refrigerador, desligou a TV e foi dormir.

A.R... 11/12/2009