quinta-feira, 24 de maio de 2007

A menina dos Olhos



Chega um momento na vida em que a mudança por mais árdua é necessária.
No auge da minha adolescência descobri o significado da palavra metamorfose, talvez por ter jogado em um time de “futebol” com este nome, time este que eu não fazia muito, a não ser ficar controlando todos que nem loucos que ali corriam de um lado para o outro atrás de uma bola. Muito tempo depois descobri que “isto” chamava-se “técnico”. Ou ainda por ter crescido ouvindo Raul Seixas, compositor que se tornou o meu favorito durante anos, que não por coincidência era o mais ouvido pela minha tia, aquela que na infância foi a mais querida.
Extrapolar limites, gritar, escrever, enfurecer, xingar, chorar, sorrir, subir na laje, contemplar a vista, mudar o lado da meia na gaveta soturna que guarda-roupa.
Entre pétalas de rosas, eu exalava o meu lado de homem, rústico de família e de tradição. E entre flores das mais variadas eu me perdia. Ali os meus pensamentos divagavam, nunca pensava tanto quanto nos sábados que fica envolto de flores e plantas, tomando chá verde retirado de uma garrafa térmica vermelha.
Momentos de descobertas e de confusões, de fios distorcidos na maquina eletroencefálica do meu mundo utópico e insamente puro.
Mas foram elas, as rosas, foram elas que me acolheram, confortaram, ouviram minhas lamurias e meus desejos. As rosas foram amigas, pois brilhavam ao me redor exalando um perfume gostoso, enchendo os meus olhos de uma beleza que até então eu desconhecia, aguçando os meus sentidos.
Não sei bem se foi entre a rosa vermelha e a orquídea, ou entre a policéntia e a petúnia, mas lembro perfeitamente a primeira vez que eu vi. Com uma bela coroa de peperômia mista, com dois coqueiros um de cada lado, tipo palmeiras, enormes que tinha chegado naquela manhã do Ceasa. Assim em close eu vi a sua menina dos olhos. Tão verde-azulado que poderia também ser azul-esverdeado. Um sorriso tão singelo como gloxínia rosada. E os dentes brancos como uma celissa.
Catatônico, tentei praticar a minha simpatia. Fixado em seus olhos, eu pegava aleatoriamente a mercadoria que sorridente me entrega: Braços rijos como os da hera.
Ponteiros dançavam ritmados por uma balada bucólica.
Levado eu fui a um campo de girassóis, onde pude ver em meio aquela beleza um anjo, ou um querubim, um pequeno contorno de Botero que cantava uma melodia triste, som que deslizava pelos seus lábios e me envolvia como os ventos de outono.
Quando me aproximei não acreditei no que eu via, aquele anjo tinha os meus traços, como se fosse uma miragem, ou uma projeção minha enquanto menino, mas não era eu, era uma outra criança, e eu só percebi isso quando vi que seus olhos eram verde-azulados, que facilmente poderiam ser confundidos com azul-esverdeados. Só então percebi que aquele pequeno menino era um fruto, o resultado da união minha, com a visão que estava a minha frente.
Novamente eu estava envolto de flores e plantas, numa redoma de madeira de 5metros retangulares, embrulhando - as, que aqueles braços “rijos como hera” me entregava.
Pude então perceber a armadilha que minha mente havia me empregado. Colocando-me em atrito com minhas vontades e limites. Com os meus desejos e incapacidade física. Com meu desejo de homem fiquei, sonhado com o impossível ou tentando reverter à genética, como se pudesse fazer a cachoeira correr contrário, ou como se fosse capaz de fazer brotar uma flor ou um querubim, através da união de dois pares de braços rijos como a planta hera.
Antonio Ranieri
04/07/2006

segunda-feira, 21 de maio de 2007

O REFLEXO DO MAR


O reflexo solar que bateu na minha janela, não se sabe por qual razão se escondeu.
O dia cinza contrasta com o verde da grama.
O barulho do mar se confunde com a poluição sonora trazidas pra cá.
A liberdade, ou esta sensação, perde a força ao ver tantos muros e grades a minha volta.
O choro não caiu.
A risada não fluiu.
A conversa nunca existiu.
O homem se feriu e eu aqui preocupado com o meu umbigo.
Quanta covardia meu Deus!
Abrisa é forte e só mesmo Yemanjá pra tomar conta de mim.


Antonio Ranieri
04/11/2006

quarta-feira, 16 de maio de 2007

SE


Estava eu atuando e depois de tantos sinais que a mim apontavam como uma lanterna com defeito, mais parecendo um pisca alerta, tive uma sensação estranha e de repente me vi no papel do espectador.
Por um momento apreciei a minha atuação, como se fosse capaz de estar em dois lugares ao mesmo tempo.
Um gesto, um sorriso, um afago, um carinho, uma palavra...; silencio.
Bochechas rubras!
Um suspiro e uma descoberta, um pequeno e transformador detalhe que o público achava que sabia, ou supunha que existia, agora eu também via. Parei!
Hesitei.
Me excitei, sorri envergonhadamente e em seguida enfureci.
Gritei, berrei, urrei, chorei, chorei, chorei, relaxei e dormi.
Uma pausa, um intervalo, um final de semana, a separação entre dois atos.
Mas quando as cortinas reabriram, eu estava ali, e já não mais me reconhecia. Agora eu via o meu desejo refletido nas meninas dos olhos dos espectadores que tanto me alertavam e isso me assustava.
Emudeci.
Sem graça e sem palavras, hoje a coisa que mais me incomoda é: Se?

Antonio Ranieri
15/05/2007

terça-feira, 15 de maio de 2007

PARTO





Cansado, depois de mais um dia exaustivo de trabalho, deitei em minha cama na tentativa desesperada de relaxar. Senti que dentro de mim algo pulsava descontroladamente e minha cabeça já não conseguia mais controlar os movimentos do meu corpo.
Eu suava, tremia e meus pensamentos, os mais pitorescos e surrealistas deslizavam em flashs em minha mente.
Sem perceber sentado em minha cama um espectro da minha angustia sorria complacente com o meu sofrimento e na porta de saída lá estava ela, fria, com seus olhos de lince e com os braços abertos na espera em que eu me desligasse para poder amparar-me em teu colo. Prefiro não dizer teu nome.
As dores aumentavam com tal intensidade, que já não mais existia concentração para preces. Nem tão pouco consegui me apegar as crendices que aprendi quando menino, como aquela que eu ficava deitado com uma almofada em baixo das costas e a minha avó com suas mãos enrugadas, passava um óleo morno em minha barriga, acreditando que tiraria de mim o sofrimento momentâneo, e o engraçado é que ela conseguia.
De repente percebi que minhas colchas verdes, já não eram verdes, e nem tão pouco colchas. Deitado na grama verde vermelho sangue, percebi que em volta de mim tudo já não era igual, os espectros tinham desaparecidos e ao longe eu ouvia uma sirene que provavelmente seria de uma ambulância, cujo um vizinho gordo, de tanto ouvir minhas lamurias devia ter chamado.
Um momento de paz, um segundo e o silêncio. Olhos entre abertos, boca fria, suor e medo. Num piscar de olhos a minha frente, como se tivesse sido expelido do meu ventre, o que Deus não me agraciou, um rebento de quinze metros e cinco toneladas me espreitava. Cada cabeça um rosto, cada rosto um semblante. Dor, medo, solidão, angústia, todas me encaravam a espera que eu as acolhesse em meu peito e nutrisse com liquido sagrado capaz de lhe darem finalmente a vida.
Eu confesso que neguei, mesmo elas vindo em minha direção, me sugando feito morcegos na seca, lutei bravamente na espera que conseguisse ficar em pé. Feito a obra do “Munch” percebi minha imagem refletida no campo.
Rendi-me e deixei meu corpo esmorecer. A grama envolvendo meu corpo, e no céu despontava uma meia luz dando margem aos soturnos uma visão aterrorizante do meu sacrifício.
Um cheiro de comida, uma lembrança de infância, uma reza em uma estrofe e um anjo suspirando ao meu ouvido. Com uma força sobrenatural consegui me debater, quase entrando num transe sem volta. Consegui encarar aquele monstro com cabeças e sentimentos, e como uma cadela que come seus filhotes mortos, coloquei cada um para dentro de mim novamente. Com muitas lágrimas expurguei-os da minha vista, mas importei cada um para o meu peito. Ali se debatendo, todos ansiosos, esperam o momento em que sairão de novo e finalmente me entregarão feito um sacrifício a ela que sorridente me levará em seu colo.


Antonio Ranieri – 04/04/2007

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A inauguração

A idéia desse blog nasceu da necessidade de abrir mais um espaço para divulgar idéias, textos, críticas, crônicas, opiniões e quaisquer outra forma de manifestação. Muitas coisas que não podemos ou não temos espaço para falar. Abaixo um texto inaugural do maior poeta do Mundo:
Ranieri

Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.Tempo de absoluta depuração.Tempo em que não se diz mais: meu amor.Porque o amor resultou inútil.E os olhos não choram.E as mãos tecem apenas o rude trabalho.E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.És todo certeza, já não sabes sofrer.E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?Teus ombros suportam o mundoe ele não pesa mais que a mão de uma criança.As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifíciosprovam apenas que a vida prossegee nem todos se libertaram ainda.Alguns, achando bárbaro o espetáculo,prefeririam (os delicados) morrer.Chegou um tempo em que não adianta morrer.Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade