sexta-feira, 26 de junho de 2009

DESCONSTRUÇÃO


João da Silva
Acordou naquela manhã como se fosse a ultima.
Atravessou a cidade contemplando o trânsito.
Trabalhou como louco sem perceber que era sábado.
*
Tropeçou nos papéis como se tivesse bêbado.
Descansou no restaurante como se fosse o máximo.
Devorou a comida como uma máquina.
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe.
*
Olhou pela janela com olhar de espanto.
E viu um bicho parado com olhar perdido.
Agonizando na calçada como se fosse lógico
Suplicando ajuda com desespero aflito.
*
Contemplou aquilo como se fosse óbvio.
Ignorou se retirando como se fosse fácil.
Passou de longe como se tivesse medo.
Sem perceber o pacote imóvel como se fosse tímido.
*
Voltou para casa pelo mesmo caminho confuso.
Assistiu à televisão de uma cultura falsa.
Beijou seus filhos com carinho sórdido.
Dormiu com a certeza de um novo dia.
******
João da Silva
Acordou naquela manhã com olhar de espanto.
Correu pela cidade atrapalhando o trânsito.
Chorando sem ver o sábado mágico.
*
Tropeçou nos transeuntes como se fosse louco.
Apoiou-se no poste como se estivesse bêbado.
Mirou a janela com olhar de aflito.
Ao ver o bicho comendo lixo como se fosse príncipe.
*
Gritou de desespero como se fosse estúpido.
Passando a sentir uma utopia triste.
Sentiu a imundice da humanidade como se fosse lógico
E o peso do sofrimento como se fosse lindo.
*
Curvou-se na calçada como um pacote flácido.
Agonizou no chão numa solidão amarga.
Viu o monstro passar de longe com olhar de medo.
Sem perceber a dor que estava sentindo.
*
Desabou em lágrimas como se tivesse perdido.
Flutuou no ar como se fosse um pássaro.
Viu anjos chegarem numa alegria única.
Fechou os olhos sem a certeza de um novo dia.
*******
“Joões da Silva”
Acordaram naquela manhã como almas mortas.
Atravessaram a cidade em passos tímidos.
Seres apáticos não perceberam o sábado lindo.
*
Tropeçaram uns nos outros como se tivessem bêbados.
Gritaram na rua como se fossem loucos.
Cataram comida entre os detritos como se fosse ouro.
Engoliram com alvoroço como se fossem bichos.
*
Destruíram o mundo como se fosse fácil.
E construíram com tijolos um novo desenho ilógico.
Ignoraram-se como se fosse o óbvio.
E maltrataram-se como se fossem sádicos.
*
Não voltaram para casa, pois não lembravam o caminho.
E apodreceram na rua como indigentes.
Causando uma melodia de choros aflitos.
Culpada de uma irracionalidade utópica.
*
Amontoaram-se na praça como judeus no campo.
Agonizaram marcados por um símbolo sólido.
Suplicaram ajuda como se fossem vítimas.
Morreram na contramão implorando a vida.
Antonio Ranieri
(Espero que Buarque compreenda, que Bandeira e Pessoa atravessaram meu caminho nesta tarde fria).

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Faca Entre Os Dentes


A agressividade parece ser a única forma de abrir as portas.
Portas estão trancadas com chaves, cadeados, correntes, blindadas e seladas a base de maçarico. Hoje o mercado financeiro está cruel. Queda disso, queda daquilo, e pessoas perdendo por todos os lados. Publicam-se estatísticas de melhorias nas vendas, divulgam-se a retomada nos negócios, “marqueteiros “ de plantão esperam a primeira oportunidade para dar o “pulo do gato”, mas as portas ainda continuam fechadas. Pessoas encalacradas em suas residências temem qualquer movimento que fuja do habitual. Estão inseguras. Não acreditam no que vem na TV, no que o governo diz, nem tão pouco na propagandas ininterruptas que gritam o crescimento financeiro. Encontram-se presas. A seus medos, suas comodidades, suas dívidas, que há muito tempo deixou de ser uma bola de neve e virou um amontoado de contas a pagar.
A exceção virou regra.
Pesquisas apontaram esta semana que deste 1999 o índice de inadimplentes não atingia um numero tão avassalador. Hoje é difícil você encontrar uma pessoa com o nome limpo no mercado. Devido a esta crise? Também, mas não só isso. Inúmeros órgãos de cobrança como SPC, Serasa e afins, são criados diariamente para tentar resgatar dos devedores alguma coisa, entretanto, se você tenta negociar com a intenção de quitar, você sofre. Passa horas por dia ouvindo os jingles irritantes das empresas de telemarketing, e depois de tanto esforço recebe o numero de um protocolo do que nada adianta. Recentemente um conhecido, que estava com o seu nome numa dessas empresas de cobrança, perdeu uma oportunidade de emprego. Pois o contratante tem o praxe de “fuçar” toda a vida do futuro funcionário. Pasmem, isso é contra lei. No entanto este cidadão que perdeu o emprego vai ficar devendo por mais algum tempo.
A passividade ficou a cargo dos oprimidos.
Não agüento mais ouvir que em momento de crise devemos tomar cuidado com isso, se precaver daquilo, não arriscar naquilo outro. O que não me contaram, é que em momento de crise onde desesperados de plantão pulam de edifícios renomados, o que mais existe é inveja. Pessoas venenosas que só querem apagar a luz que temos, incapazes de mudarem suas rotinas para tentar uma vida melhor, medrosas. Não me assusta, nem me comove ao perceber que esses que hoje abrem a boca de espanto quando você anuncia uma conquista, são os mesmos que passam o domingo babando os apresentadores mumificados da TV aberta. Temem mudar de rota para chegar mais cedo em casa, aceitando passivos o trânsito caótico de SP. Perderam o romantismo, o brilho individual. São pessoas que se perderam com o tempo.
Em tempos de cegos, quem tem um olho é rei.
Chegou o momento em que precisamos mais do que arregaçar as mangas, muito mais do que ter sangue nos olhos. Como diz uma grande amiga e empreendedora, “Precisamos colocar a faca entre os dentes”. Não, não estou dizendo que devemos protagonizar um filme com “Stallone”, nem tão pouco cometer um dia de fúria a lá Michael Douglas, por mais que a vontade faça nosso corpo tremer. Precisamos começar a agir com inteligência. Isso é obvio, diria os desavisados. Mas não é. Devemos ficar atentos, estar a frente dos acontecimentos, sermos caçadores e tomar cuidado para não sermos ludibriados.



Antonio Ranieri (19/06/2009)






sexta-feira, 12 de junho de 2009

Um estado de Cidadania

Outro dia estava parado no farol, eis que vejo uma menina sorrindo enquanto ela abria o retrovisor do passageiro. Quando a menina percebeu que lá fora haviam dezenas de moradores de rua, seu sorriso foi se transformando até chegar numa feição triste e sem cor. Aquilo me desconcentrou de tal forma, que só percebi que o semáforo havia aberto, no momento que ouvi a buzinada de um “turbinado importado”, que como um flash passou ao meu lado sem perceber o que se passava do lado de fora das suas “lentes blindadas”. Hoje a cidade, como de costume em horário de pico estava parada. Eu esmagado por “trocentos” proletários, que como eu, seguiam rumo aos seus locais de trabalho. Da janela do ônibus, eu vejo um menino de aproximadamente seis anos de idade, dormindo no chão enfrente a um banco renomado. Paradoxo essa cena, pensei eu. Mas aquilo não era arte, era real. O menino tinha um tom amarelado, meio que sendo comido por vermes. Seus pés, bracinhos e cabelo, eram de uma camada grossa e negra de sujeira. Ele deitado em cima de uma placa de papelão, em posição de feto, se encolhia para suportar os 10ºC. E pessoas passavam por ele e não o viam. A faxineira do grandioso banco lavava seus vitrais, sem se dar conta de que a água ia em direção ao menino. O outro morador de rua envolto num cobertor, não se sensibilizava em ver ao seu lado uma criança. Ninguém via, e se olhava, virava-se rapidamente, ou por medo, ou por vergonha. Medo de um dia ter que se sujeitar a uma situação daquela, ou vergonha de não fazer nada para ajudar o ser humano que ali se contorcia.
Conforme o ônibus foi se movimentando, para minha total surpresa e indignação, formava-se um mar de pessoas deitadas no chão. Dormindo, encolhidas, cobertas por panos sujos, jornais, papelão, ou quaisquer outra coisa que amenizasse o frio. Abria-se a minha frente uma valeta de corpos sujos e cadavéricos, feito os que permeavam os campos de concentração nazista.
Naquele instante quis descer do ônibus e levar um pedaço de comida para aquela criança, tomado por um estado de cidadania, ou influenciado por um estado de bondade, ato retirado de um episodio do meu livro de cabeceira. O fato que minha vontade, logo foi interrompida pela pressão de corpos no sujo e não eficiente transporte público que me conduzia para o serviço. E logo pensei que não poderia chegar atrasado, pois afinal ainda estava em fase de testes na empresa. Porque afinal, quem tinha que resolver isso era o poder publico e não eu. Porque eu fui um Covarde. Sim um covarde. Eu covarde. Covarde os outros passageiros que viraram a cara não agüentando vislumbrar o que passava na rua. Covarde os governantes que não resolvem esse grave problema e sim maquilam, deslocando pessoas de um lado para o outro conforme a reclamação da comunidade local. Covarde a faxineira que lavava o banco e molhava o menino dormindo. Covarde todos. Todos nós COVARDES.

Antonio Ranieri
10/06/2009

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Pombas Urbanas

Um maldito rato voador cagou no meu “possante”.
Sempre ouvi dizer que é muito perigoso,
Que pode transmitir doenças e até cegar.
Fiquei desesperado.

Uma mão no volante e a outra no celular.
Minha irmã declarava:
- Corre com ele daí!
No atendimento,
Um sujeito bizarro com as mãos sujas de óleo disse:
- É, tem cura. Mas em alguns casos pode ser fatal!

Antes mesmo que eu percebesse, ele estava todo empipocado.
Então faltou lhe o ar e começou a empalidecer.
Engasgou.
E no meio da avenida, entre tantos outros da mesma espécie.
Morreu!

Faz dois dias que caminho sozinho e amargo.
Me divido entre ressuscitá-lo ou enterrá-lo de vez.
Armado de uma porção de ração
A espreita.
Espero os assassinos para me vingar.

Antonio Ranieri

04/06/2009